E se, do outro lado do espelho, alguém te observasse?
Alguém que visse o teu olhar ensonado quando afagas com as duas mãos o cabelo na primeira hora da manhã, chocada com o quanto ele se despenteia nas noites em que dormes sem o atar. Alguém que se risse das tuas caretas descoordenadas nos dias em que chegas alegre a casa ou que sais, no elevador, para mais um dia de sol. Alguém que não perdesse nem a mais ridícula das mil e uma expressões que ensaias antes de uma saída, quando sais do duche, quando te pintas, depois de secares o cabelo e enquanto experimentas todo o armário em busca da melhor cor para realçar o sorriso de que tanto gostas ou o colar da feira do dia antes.
E se, em momento algum, estivesses sozinha frente a um espelho, nas mil vezes que te viras e reviras quando compras um novo vestido, ou procuras, quase colada, uma imperfeição na tua pele aos sábados de manhã? Se, para cada careta descomplexada, lágrima entristecida ou raiva solitária nos teus dias maus, uma companhia que não soubesses existir te acompanhasse sem critério nem razão, um alguém indefinível e etéreo, um mistério que desconhecesses por detrás da imagem de ti que vês reflectida.
E se, do outro lado do espelho – de todos os teus espelhos – alguém arrebitasse o nariz ensonado quando finalmente aparecesses, para acompanhar com atenção desperta as tuas incertezas, as horas desconsoladas depois de um corte de cabelo que odiaste, ou a mão firme com que espalhas o desodorizante? Alguém que se risse da espuma que fazes quando lavas os dentes, e se encantasse com a forma desajeitada com que ajeitas o soutien.
Se soubesses que alguém te observa do outro lado do espelho, cantarias de toalha na cabeça as músicas que adoras quando estás apaixonada, e falarias com ele nos teus pequenos momentos de loucura? E vestias-te e despias-te assim, descomplexada, trocando repetidamente de cinto, de saia, de calças e de camisola, nessa busca tão tua pela perfeição?
E se, do outro lado do espelho, um estranho te conhecesse como nem tu a ti te conheces, um estranho atento, observador, jocoso e sensível, um estranho que te suplicasse, quando passas um lápis pelas olheiras de uma noite mal dormida, “Não, não..! Acho-te perfeita como estás, sem tintas nem adereços!”
Alguém que te olhasse e pensasse, mudo e intocável, “Meu Deus, como gosto desse castanho-claro”, quando abrisses um olho frente ao espelho e uma lágrima irritada por não ser azul ou verde te fugisse, descontrolada, pelos traços arrebitados do teu nariz.
Alguém que não se cansasse do teu olhar rotineiro, sempre igual seja bem ou mal dormido, antes de entrar no duche, e se entusiasmasse a cada novo olhar, a cada nova expressão, a cada nova manifestação dos teus entusiasmos e tristezas, sempre em busca do que fosse mais teu, diferente do dia anterior ou igual a sempre. Alguém que pulasse de uma letargia arrepiada quando limpasses o vidro embaciado com o calor da água, esticando também a mão para tocar, por fugazes momentos de vapor, os teus dedos meio dobrados, entrelaçados, quase, nos seus.
Um alguém misterioso e quase cúmplice, nunca ausente e sempre atento, alguém que não fugisse quando desligasses a luz ou saísses de um provador, ou fechasses a caixinha de maquilhagem que trazes contigo, e te esperasse a cada novo reflexo teu, a cada olhar pelo retrovisor, a cada efémera passagem por um prédio moderno.
E se, do outro lado do espelho, eu te olhasse a cada olhar teu, eu, que te penso a todo o momento, apenas a espaços recompensado por uma vaidade ou uma sorte fugaz do dia-a-dia?
E se, do outro lado do espelho, eu te esperasse, paciente reflexo de luzes acesas e estações de serviço, vivendo outras vidas e outros espelhos nas horas mortas em que não me olhasses, aguardando, sem pressionar, o agudo estridente de uma voz apertada que, tua, ouvisses e quebrasse os vidros do teu espelho e do coração blindado e opaco dos teus olhos de cristal que não me vêem, estilhaçando o teu muro de reflexos (em que não me notas, porque só te queres ver a ti) e mostrando-te finalmente a verdadeira razão dos teus complexos e vaidades, nada mais do que um carinho descontrolado e sub-cutâneo que nunca viras senão no que crias ser a tua própria imagem, um carinho desaparecido que se nutre do teu desejo por mim, fiel amante das tuas horas e incansável reflexo do amor que, afinal, procuras.
Nesse dia, em que o espelho que me protegera e afastara se despedaçar em fragmentos impotentes de luz e incertezas, cobrindo o chão, onde aterras assustada depois da surpresa inicial, de visões tuas e minhas divididas em demasiadas peças, nesse dia serias capaz de olhar-te, finalmente, nos olhos, nos teus olhos de sempre, esses olhos que, de tão teus, são os que sempre te olharam?
E eu, silencioso amante das horas mais tuas, improvável e fiel guardião da minha e tua intimidade, serei eu capaz, depois da espera sem tempo nem sol por esse momento improvável em que um bater desacelerado destrói espelhos e vidros, preconceitos e incertezas, entusiasmos e desconsolos, serei eu capaz de te abraçar finalmente?
Alguém que visse o teu olhar ensonado quando afagas com as duas mãos o cabelo na primeira hora da manhã, chocada com o quanto ele se despenteia nas noites em que dormes sem o atar. Alguém que se risse das tuas caretas descoordenadas nos dias em que chegas alegre a casa ou que sais, no elevador, para mais um dia de sol. Alguém que não perdesse nem a mais ridícula das mil e uma expressões que ensaias antes de uma saída, quando sais do duche, quando te pintas, depois de secares o cabelo e enquanto experimentas todo o armário em busca da melhor cor para realçar o sorriso de que tanto gostas ou o colar da feira do dia antes.
E se, em momento algum, estivesses sozinha frente a um espelho, nas mil vezes que te viras e reviras quando compras um novo vestido, ou procuras, quase colada, uma imperfeição na tua pele aos sábados de manhã? Se, para cada careta descomplexada, lágrima entristecida ou raiva solitária nos teus dias maus, uma companhia que não soubesses existir te acompanhasse sem critério nem razão, um alguém indefinível e etéreo, um mistério que desconhecesses por detrás da imagem de ti que vês reflectida.
E se, do outro lado do espelho – de todos os teus espelhos – alguém arrebitasse o nariz ensonado quando finalmente aparecesses, para acompanhar com atenção desperta as tuas incertezas, as horas desconsoladas depois de um corte de cabelo que odiaste, ou a mão firme com que espalhas o desodorizante? Alguém que se risse da espuma que fazes quando lavas os dentes, e se encantasse com a forma desajeitada com que ajeitas o soutien.
Se soubesses que alguém te observa do outro lado do espelho, cantarias de toalha na cabeça as músicas que adoras quando estás apaixonada, e falarias com ele nos teus pequenos momentos de loucura? E vestias-te e despias-te assim, descomplexada, trocando repetidamente de cinto, de saia, de calças e de camisola, nessa busca tão tua pela perfeição?
E se, do outro lado do espelho, um estranho te conhecesse como nem tu a ti te conheces, um estranho atento, observador, jocoso e sensível, um estranho que te suplicasse, quando passas um lápis pelas olheiras de uma noite mal dormida, “Não, não..! Acho-te perfeita como estás, sem tintas nem adereços!”
Alguém que te olhasse e pensasse, mudo e intocável, “Meu Deus, como gosto desse castanho-claro”, quando abrisses um olho frente ao espelho e uma lágrima irritada por não ser azul ou verde te fugisse, descontrolada, pelos traços arrebitados do teu nariz.
Alguém que não se cansasse do teu olhar rotineiro, sempre igual seja bem ou mal dormido, antes de entrar no duche, e se entusiasmasse a cada novo olhar, a cada nova expressão, a cada nova manifestação dos teus entusiasmos e tristezas, sempre em busca do que fosse mais teu, diferente do dia anterior ou igual a sempre. Alguém que pulasse de uma letargia arrepiada quando limpasses o vidro embaciado com o calor da água, esticando também a mão para tocar, por fugazes momentos de vapor, os teus dedos meio dobrados, entrelaçados, quase, nos seus.
Um alguém misterioso e quase cúmplice, nunca ausente e sempre atento, alguém que não fugisse quando desligasses a luz ou saísses de um provador, ou fechasses a caixinha de maquilhagem que trazes contigo, e te esperasse a cada novo reflexo teu, a cada olhar pelo retrovisor, a cada efémera passagem por um prédio moderno.
E se, do outro lado do espelho, eu te olhasse a cada olhar teu, eu, que te penso a todo o momento, apenas a espaços recompensado por uma vaidade ou uma sorte fugaz do dia-a-dia?
E se, do outro lado do espelho, eu te esperasse, paciente reflexo de luzes acesas e estações de serviço, vivendo outras vidas e outros espelhos nas horas mortas em que não me olhasses, aguardando, sem pressionar, o agudo estridente de uma voz apertada que, tua, ouvisses e quebrasse os vidros do teu espelho e do coração blindado e opaco dos teus olhos de cristal que não me vêem, estilhaçando o teu muro de reflexos (em que não me notas, porque só te queres ver a ti) e mostrando-te finalmente a verdadeira razão dos teus complexos e vaidades, nada mais do que um carinho descontrolado e sub-cutâneo que nunca viras senão no que crias ser a tua própria imagem, um carinho desaparecido que se nutre do teu desejo por mim, fiel amante das tuas horas e incansável reflexo do amor que, afinal, procuras.
Nesse dia, em que o espelho que me protegera e afastara se despedaçar em fragmentos impotentes de luz e incertezas, cobrindo o chão, onde aterras assustada depois da surpresa inicial, de visões tuas e minhas divididas em demasiadas peças, nesse dia serias capaz de olhar-te, finalmente, nos olhos, nos teus olhos de sempre, esses olhos que, de tão teus, são os que sempre te olharam?
E eu, silencioso amante das horas mais tuas, improvável e fiel guardião da minha e tua intimidade, serei eu capaz, depois da espera sem tempo nem sol por esse momento improvável em que um bater desacelerado destrói espelhos e vidros, preconceitos e incertezas, entusiasmos e desconsolos, serei eu capaz de te abraçar finalmente?
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