Está a acontecer algo de extraordinário em Montreal, no Canadá. Não sei bem o que é que é, mas está. Tem que estar. Como é que de uma cidade com um milhão e meio de pessoas saem, no mesmo espaço de tempo, bandas como Arcade Fire (que só por si já bastava!!), Wolf Parade, Islands, Sunset Rubdown, The Unicorns, Metric, Stars, só para citar algumas? Como? Como é que isto se explica?
Pelo que sei, há um bairro chamado Quartier Latin onde tudo se passa. Não sei como é, nem como imaginá-lo. Vejo, sem critério que não as notas que soam pela minha cabeça, ruas estreitas e montras com discos de vinil. Guitarras e baterias em segunda mão expostas sob preços em pedaços de cartão, casacos dos anos setenta trocados por saxofones enferrujados. Vejo cervejas a transbordar e acordes a cada esquina. Centros sociais de portas abertas, concertos independentes a cada três passos. Vejo gente nova a entrar com sacos de supermercado em casas de dois e três andares, com pequenas escadas e janelas a dar para a rua. Nas paredes, cartazes anunciando o próximo concerto e mostra de cinema. As pessoas são magras e têm o cabelo meio comprido mas ordenadamente desgrenhado. De vez em quando, passa um grupo de amigos com cervejas na mão, barbas mal feitas e camisolas às riscas roxas e brancas. Todos têm um blazer escuro por cima, e calças rotas.
Quem será aquele careca de óculos escuros e t-shirt amarela. Porque é que tem um ténis de cada cor e está a tocar flauta no meio da rua?!
Há crachás de todas as cores e casais apaixonados. No Quartier Latin, toda a gente ri. Metade das pessoas passeia-se com um iPod, uma trompete ou uma viola acustica. Há dezenas a tocar nas rua e nas esplanadas cheias de trocas de impressões. Em mais nenhum sítio do Mundo o chão adormece tão sujo com panfletos, jornais de música e anúncios de festas independentes.
As empregadas dos bares são baixinhas e muitas usam all-stars. Os mais giros são às bolas encarnadas e amarelas. A dona calça 35 e chama-se Justine. Serve cocktails quando não está a ensaiar nas traseiras da loja de roupa usada do velhote sueco que vive em Montreal há 10 anos. Justine diz que se inspira para escrever as suas canções entre as cachecóis usados por nova-iorquinos de outras décadas e camisolas aos losangos inglesas que o Jakob Ullevat vende na sua loja.
Na música que os amigos de Justine mais gostam e que ela compôs para o aniversário de um bar na esquina de sua casa há uns meses, uma frase ecoa deslavada através das guitarras do namorado de Justine e do seu primo Mark: “What’s the green dot under that seagul’s wing in the sky? Is it you, brother, that’s what you meant when you said you were out to fly?”. Toda a gente canta isto nos concertos com Justine, e ela sorri.
Quand o Quartier Latin acorda, o ar fresco da manhã arrasta nas suas partículas geladas I’ll believe in anything dos Wolf Parade, e todos saem à rua com os seus instrumentos, em busca do acorde que os leve aos ouvidos uns dos outros. Nas primeiras horas da manhã, tocam e soam instrumentos num frenesim descontrolado, que dura horas e horas, sem parar para almoço nem para jantar, sem reparar que a noite cai e os copos de plástico se esmagam nas mãos suadas, um frenesim eléctrico e esvoaçante, que se funde nele próprio e nas paredes dos prédios, criando uma tal vibração que, de tempos a tempos, cá na Europa, um arrepio me passa pela espinha e penso: “Meu Deus, está a acontecer algo em Montreal. Que faço aqui à uma da manhã no computador da sala?”
Montreal's indie scene..
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