- O que é que queres ser quando fores grande, Zé?
- Eu já sou grande!
- Não és nada. Tens 10 anos. És uma criança ainda.
- Sou mais grande que o Francisco.
- Maior. Diz-se “maior”, não se diz “mais grande”.
- Ah. Mas eu não sou criança. Já penso por mim.
- E então, o que gostavas de ser quando fosses..ainda maior?
- Gostava de ser eu próprio.
- Sim, mas isso já vais ser. Estou a perguntar, como gostarias de ocupar o teu tempo, quando crescesses?
- Mas porque não me perguntas antes como eu quero ocupar o meu tempo hoje?
- Porque..porque quero saber do teu futuro.
- Sim, mas no futuro vou ser igual ao que sou hoje. Basta que me perguntes: ”O que é que queres ser hoje?”
- Mas Zé, não vês que se eu te perguntar isso, não me estás a dar luzes sobre o teu futuro?
- Mas o que há de tão misterioso no futuro? Se no futuro eu fizer as escolhas fiéis à minha personalidade, não vou desviar-me do caminho que mais se adequa a mim. Por isso não tens de te preocupar. Não é?
- Pareces um adulto a falar.
- Mas é, ou não é?
- Olha não sei. Queria saber se gostavas de ser médico, ou jornalista, ou advogado..
- Mas mãe, como é que eu posso saber isso hoje? Eu hoje quero brincar, e ler livros e jogar à bola! Sei lá o que quero fazer daqui a 15 anos. Bombeiro talvez. Ou astronauta. Sei lá. Quero fazer o que me apetecer na altura.
- És mesmo criança. Isso é o que querem todas as crianças.
- Se te desses ao trabalho de pensar porquê, não acharias a resposta tão evidente.
- Ah é? Então diz lá porque é que TU achas que todas as crianças querem ser médicos, bombeiros e astronautas??
- Porque, mãe, as crianças não pensam demais, como tu pensas. As crianças agem para satisfazer a sua própria identidade.
- Ah. Que novidade. E então?
- Não vês que todas a crianças são ingénuas, curiosas, aventureiras, bem intencionadas?
- Vejo. E depois?
- Quais são as características de um bombeiro e de um astronauta? Não percebes a conexão?
- Tudo bem. As crianças querem ser bombeiros e astronautas porque são curiosas e aventureiras. E então filho? Onde é que queres chegar?
- Mãe, as crianças não vêem o futuro com os teus olhos utilizantes.
- Queres dizer “utilitaristas”?
- Sim, isso.
- Ainda nem sabes falar, meu bébé.
- Mãe, repara: quando respondem bombeiros ou astronautas, o que as crianças estão a dizer é: “Quando for grande, quero ser criança.”. Mas elas respondem isso enquanto crianças. E quando são crianças, “ser criança” é, para uma criança, ser ela própria. Por isso, quando perguntas a uma criança o que ela quer ser e ela te responde bombeiro ou astronauta, o que te quer dizer é que, no futuro, ela quer ser ela própria.
- Zé, estás a tentar explicar-me que as crianças não fazem a mínima ideia do que querem ser, quando são pequenas como tu?
- Fazem, mãe!! Tu é que vês as coisas ao contrário. Sabem muito bem o que querem ser. Não sabem é ver isso através dos olhos de alguém como tu. Tu, quando me perguntas o que quero ser, esqueces-te de perguntar o que é que eu sou, primeiro.
- Mas eu sei o que tu és.
- Não sabes não. Não fazes ideia. No máximo, sabes o que queres para mim.
- Então o que é que eu quero para ti?
- Que eu seja feliz.
- Então onde está a diferença entre o que eu digo e o que tu dizes, Zé?
- Está no facto de eu querer ser feliz sendo eu próprio, e de tu quereres que eu seja feliz sendo o que tu queres que eu seja.
- Então, que queres que te pergunte?!
- Pergunta-me primeiro quem sou.
- E depois?
- Depois, pergunta-me como penso eu agir no futuro, para preservar a minha identidade.
- E depois?
- Depois, espera para ver se eu a mantenho.
- E como é que vou saber?
- Pelo meu sorriso.
- Então tenho de olhar para ti todos os dias Zé.
- Claro. A felicidade não é absoluta mãe. Ou é?
- Ai Zé, às vezes complicas tanto as coisas. Gostava que fosses um miúdo normal como os outros todos...
- E sou. Igualzinho.
- Pensas demais.
- Eles é que pensam de menos.
- Estás a sorrir agora.
- Claro. Estamos a ser sinceros um com o outro. Estou a ser eu próprio.
- E amanhã, como vai ser?
- Amanhã é outro dia, mãezinha. Espero que estejas cá para julgar o meu sorriso de novo.
- E se sorrires, o que devo pensar?
- Que sou feliz.
- E se não sorrires?
- Que algo me afasta do meu caminho pessoal.
- E qual é o teu caminho pessoal?
- Mãe, parece que não ouviste nada do que eu te estive a tentar explicar...
- Desculpa, estou cansada.
- Vai para a cama então. Dás-me um beijinho de boa noite?
- Dou. Vá. Já estás quentinho na cama, agora dorme. Beijinhos.
- Até amanhã mãezinha.
- Até amanhã meu querido.
Um beijinho de boa noite
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