Sítio certo à hora certa

Parece que acabou o Inverno. Agora está um sol quente que abafa todas as manhãs os meus passos engravatados pela rua abaixo. Bato com a porta de pescoço já apertado e antecipo o calor. Pior do que calor, é calor dentro de um fato. E pior do que esse sufoco, é calor dentro de um fato durante um percurso de vinte minutos a pé até ao trabalho.

Felizmente, a meio de Maio acabou-se o fatinho por uns meses. (Infelizmente, meio de Maio é também quando eu desapareço durante uns meses.)

A Primavera em Lisboa, independentemente do que é A Primavera em Lisboa Para Um Gajo Que Trabalha De Fato Dá-se Mal Com O Calor E Vai A Pé Para O Trabalho, é o que mais se aproxima do desacertado cliché o sítio certo à hora certa.

A Primavera em Lisboa é a coisa mais parecida com Dance with Me dos Nouvelle Vague.

São brisas velozes em miradouros a dar para o rio. São chás de menta gelados e um odor passageiro a eucalipto alucinogénico. A Primavera em Lisboa é uma chamada de atenção aos Domingos: acorda-os do seu torpor de lontras acasaladas e transforma-os em passeios mornos pelas ruas estreitas do Chiado e em estrelas salgadas e Bohemias resgatadas do fundo do congelador. A Primavera em Lisboa tem areia colada às pernas e olhos que já brilham. Tem gente ao Sol, e ramos de flores com muralhas pelo meio. É silenciosa, quando quer, a Primavera em Lisboa. Tem ângulos secretos para cada lisboeta. E tem imperiais a escorrer espuma, e sardinhas a voar num céu azul. E tops de alças às cores, e óculos escuros que tapam metade da cara. E jambés! E sapatos rotos, graffitis vivos e esplanadas cheias de sangrias brancas bebericadas com cuidado. Dançam loiras ingénuas na Praça do Comércio, e as noites são de manga curta, com gargalhadas que ecoam na calçada.

A Primavera em Lisboa tem os primeiros raios de Sol a rir bem disposto nas águas calmas do rio e quando chega, – arrebitada, sem aviso – bate à porta dos lisboetas e diz-lhes:

- Meus amigos, vocês que não se andam a divertir que nem uns loucos como o Luís, acordem para a vida e ponham-se na rua, porque já soa um baixo naquele barzinho curtido, e os mojitos estão a metade do preço.

E vocês, que andavam aí já malucos por este calorzinho que a mim tanto me mata como me alegra, vão ouvir o que ela tem para dizer com toda atenção, e quando a Primavera acabar a frase já estarão a dançar sem amanhã nas vielas de bairros antigos.

E eu, que também ando por aí, vou ser o mais contente desse bando pacatamente alegre que são os lisboetas quando chega a Primavera, na plenitude do seu cheiro a flores e a cevada triturada, mãe de um verão que não chega e justificação para as primeiras loucuras do mergulho no mar que se avizinha.

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